Padre N. de Campos
Edição de 1962 - 193 págs
Reformatado a partir do ORIGINAL |
A RAZÃO DESTE LIVRO
No altar diante do qual contraíram Matrimônio Maria
Teresa de Áustria e Francisco José de Lorena, lia-se um grande dístico: Eucaristia.
Hic Austriae vita. (É na Eucaristia
que está a vida da Áustria). A imperatriz Maria Teresa conservou-se sempre fiel
a tão bela legenda. Certo dia, ao receber a notícia de que seus filhos se
haviam exposto à morte para defenderem, de um ataque de hereges, o sagrado
Viático, exclamou: “Dou graças à misericórdia divina pela vitória, mas a minha
felicidade seria ainda maior, se os meus dois filhos tivessem podido sacrificar
a vida e derramar o sangue em defesa do Santíssimo Sacramento”.
Este livro deseja ter como fim principal incentivar
na alma das mães e dos pais, e, mediante eles, também na dos filhos, a partir
dos primeiros anos, um amor semelhante à Eucaristia. Algumas vezes, para o
conseguir mais facilmente e ajudar os esposos a compreenderem melhor a
dignidade e excelência do seu estado, recordaremos a relação existente, sob
vários aspectos, entre a vida matrimonial e a devoção eucarística. Não é
propriamente um paralelo que vamos estabelecer entre o Sacrifício da Missa, com
tudo o que ele nos dá, e o Matrimônio católico, nem quanto à essência de um e
de outro, nem quanto aos efeitos que produzem nas almas; queremos apenas
desdobrar e pôr bem em foco os passos mais salientes da liturgia desse augusto
Sacrifício, comparando-os, aqui e além, com outras tantas situações, ideais e
problemas das pessoas casadas.
As linhas que vão seguir-se destinam-se, em primeiro
lugar, aos esposos, na sua qualidade de marido e mulher, que nelas encontrarão
alguma ajuda a fim de realizarem, em si, com a graça de Deus, a perfeição da
vida matrimonial e alcançarem, por este caminho, a plenitude do amor,
aproveitando para sua santificação os meios que a própria família oferece (Pio
XII, aos membros de uma peregrinação espanhola de famílias, em 1958); em
segundo lugar, destinam-se aos mesmos esposos, enquanto pai e mãe, no
desempenho da sua missão nobilíssima de educadores, porque, se há uma ideia que
deve ser inculcada nos filhos, é a da função que em nós desempenha a Eucaristia
como arma imprescindível nas grandes batalhas que temos de travar contra
inimigos poderosos e astutos, desde os primeiros anos de nossa existência.
Meditando na liturgia da Missa e vivendo-a sinceramente, com espírito de fé,
estarão todos em condições de formar os filhos — tarefa que, nos primeiros
anos, caberá não só, mas especialmente, às mães — numa escola de autêntica
piedade cristã. Os pais compreenderão quanto o seu difícil trabalho ficará
aliviado com o recurso àquilo a que podemos bem dar a designação de “pedagogia eucarística”.
Nem sempre se farão referências à vida conjugal ou familiar. Porém tudo nesta
exposição foi escrito com a intenção de despertar nos leitores a consciência do
muito que a família pode robustecer-se junto do altar e de quanto se tornará
devedora à Igreja Católica, se abrir as portas do lar aos benefícios que ela,
prodigamente, distribui.
A formação religiosa dos filhos requer um esforço
continuo e é obra, a um tempo, dos pais, dos sacerdotes e dos mestres. Convém,
todavia, não esquecer que os primeiros educadores e catequistas dos filhos —
primeiros, em qualquer sentido — são o pai e a mãe. Não estarão eles, muitas vezes,
em condições de bem se desempenhar deste dever. Por isso, quisemos também
ajudá-los. O que há de fundamental no Dogma foi aqui abordado, a propósito de
uma ou outra passagem da Liturgia: os mistérios da Santíssima Trindade e da
Redenção, a Graça, o Espírito Santo, o pecado original, a Virgem Maria, os
Sacramentos, o Interno, o Purgatório, a Igreja, etc. Partindo do concreto, que
é a trama das cerimônias da Missa, procuramos alcançar o mais puro e abstrato
das verdades da fé.
Alguns dirão, talvez, que não é possível ou, em todo
o caso, aconselhável ensinar às crianças, desde tenra idade, verdades tão
profundas e inacessíveis à mente humana. Este erro andou muito em voga, tendo
sido necessária, para lhe pôr cobro, uma intervenção recente e enérgica da
Santa Sé. Segundo ensinavam alguns pedagogos, na primeira idade da razão, ministrar-se-ia
apenas uma parte do Dogma, deixando de lado inteiramente aquelas verdades cujo
sentido se julgava não estar ao nível da inteligência infantil, as quais só
mais tarde seriam comunicadas. Era isto copiar, com demasiado servilismo, para
o ensino da Revelação divina, o método em uso no ensino das ciências profanas;
era — observou o Cardeal Feltin, de Paris — não ter suficientemente em apreço,
nos trabalhos de apostolado, a ação da Graça. A Congregação do Santo Oficio,
que vela pela ortodoxia da fé, não hesitou em denunciar semelhante processo,
apesar de saber que era perfilhado, com todo o ardor, pela Comissão Nacional do
Ensino Religioso da França, dependente dos Bispos. A intervenção de Roma somente
transpirou para o público por meio de um comunicado da Comissão Episcopal do
Ensino Religioso, em fins de setembro de 1957, mas nem assim deixou de causar
forte impressão nos círculos católicos franceses, pois não fora possível
esconder o que havia por detrás desse comunicado. A Igreja insistiu em que o
ensino do Catecismo inclua, desde o início, todas as grandes verdades reveladas
por Deus, devendo só a explicação das mesmas ser progressiva, de acordo com as
idades. Pelo que sabemos, também no Brasil e em Portugal, assim como noutros
países da Europa e da América, se incidiu um pouco no referido erro, que
dissimula, sob as aparências de um avanço pedagógico, um perigoso recuo. Em
face disto, se há de recomendar aos pais e mães que procurem instruir os filhos
em toda a incomensurável riqueza do Cristianismo, cientes de que, seja onde for,
e mais ainda na alma das criancinhas, atua, sem cessar, a Graça de Deus.
A Liturgia (do grego: leiton, público, e ergon,
obra, serviço — o serviço público por excelência prestado pela Igreja a Deus, o
culto oficial) é um apreciável meio de instrução religiosa, a que deram já, com
razão, o nome de “teologia do povo”. Diz a encíclica Mediator Dei que a Liturgia não determina nem constitui, em sentido
absoluto e por virtude própria, o Dogma, conforme se poderia concluir de uma
interpretação errônea do célebre aforismo: lex
orandi, lex credendi (a norma de orar é a norma de crer), usado também sob
esta outra forma: legem credendi lex
statuat supplicandi (a norma de rezar deve estabelecer a de crer), repetido
pelos teólogos há mais de 1.500 anos; mas não deixa ela de ser um escrínio
precioso das verdades da fé, enquanto testemunho público da crença da Igreja ao
longo dos tempos. É neste sentido que a Liturgia constitui uma fonte teológica,
onde descobrimos argumentos e explicações valiosíssimas em favor da fé.
Achamos, portanto, que será sumamente vantajoso, quando um grande Pontífice
classifica de “indecorosa” a ignorância de tantos acerca do mistério sublime
dos nossos altares (alocução de Pio XII aos párocos e pregadores de Roma, na
Quaresma de 1949), mostrar alguns pontos do desenvolvimento histórico da
liturgia da Missa, dando aos leitores a oportunidade de formarem uma ideia
geral das questões mais importantes e de tomarem consciência da imensa Família
cristã a que pertencemos, cujos membros de há vinte séculos rezavam já orações
e praticavam ritos que ainda hoje continuamos rezando e executando quase da
mesma maneira.
Só do santuário das famílias verdadeiramente cristãs
poderá vir a salvação de que o mundo carece. Foi por essa razão, dizem, que a
vida pública de Jesus Cristo começou nas bodas de Caná, na Galileia, onde
realizou o prodígio de mudar a água em vinho. Esperemos de Deus que um número
cada vez maior de famílias cristãs, unidas pelo mesmo ideai e fortalecidas pela
intercessão de Maria — não têm vinho... — possa agora transformar, num novo
milagre, toda a face da terra. “O reino dos céus é comparado a um rei que
celebrava as bodas do filho. Enviou seus servos para chamar os convidados, mas
eles não quiseram vir”. (Mt 22, 2-3). O mesmo convite, Deus, que é o rei da
parábola, o dirige a todos. E quão poucos são aqueles que, na hora aprazada,
não inventam alguma escusa! Em 1958, na Cidade do México, durante a XII Assembleia
Nacional da Ação Católica daquele país, exprimiu-se o voto de que a nossa época
venha a ser, um dia, denominada “o século dos Santos casados”. Atualmente,
fala-se muito, com efeito, da santidade da vida matrimonial, ou, por outras palavras,
da santificação por meio do matrimônio; estuda-se, como nunca se estudou, sob
vários ângulos, o que chamam de “mística do casamento”. Não estamos diante de
uma invenção ou descoberta da Teologia moderna. Trata-se de uma construção
laboriosa a que nos conduziu o trabalho de muitas gerações passadas. O Dogma
cristão, na sua projeção externa, é como um rio, que aumenta à medida que
corre; o depósito da fé não é um depósito estático, mas dinâmico, pela força do
Espírito que opera nele, fazendo recuar, cada vez mais, a linha do horizonte.
Há, então, fundadas esperanças de que o desejo manifestado no México venha a
ter realização breve, isto é, de que no festim das grandes bodas do reino dos
céus tomem assento, em número incalculável, e numa proporção nunca dantes
atingida, aqueles que, levados também por santa vocação, celebraram primeiro as
suas bodas terrenas.
Resta-nos dizer que, embora o presente trabalho seja
dirigido a todos os casais católicos, ele o é, de modo especial, aos casais do
movimento “Equipes de Nossa Senhora", fundado em França pelo padre Henri
Caffarel e agora em plena expansão por quase todo o mundo. Foi em reuniões
desses casais que tomamos a resolução de o levar a cabo, e pudemos avaliar
melhor da sua oportunidade. Assim, pois, o mérito deste livro, se algum tiver,
a eles, que não a nós, deve ser referido.
O AUTOR
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