Salvatore Canals
Livro de 1967 - 181 págs
A Nossa Vocação Cristã
Falava eu um dia com um
jovem, tal como faço contigo neste momento. Procurava convencê-lo da necessidade
de viver cristãmente a sua vida, de frequentar os sacramentos, de ser alma de oração,
de dar a todas as suas ações e a toda a sua vida uma orientação sobrenatural.
Jesus — dizia-lhe — precisa de almas que, com grande naturalidade e com uma
grande doação de si mesmas, vivam no mundo uma vida integralmente cristã. Mas dos seus olhos transpirava a resistência da sua
alma; e as suas palavras tratavam de justificar tudo o que a sua vontade se
recusava a admitir. Passados alguns minutos, admitiu com sinceridade o que até então
provavelmente nunca tinha confessado nem mesmo a si próprio: "Não posso
viver como diz, porque sou muito ambicioso». Lembro-me de que lhe respondi: «Olha:
tens diante de ti um homem muito mais ambicioso do que tu, um homem que quer
ser santo. A minha ambição é tão grande que não se contenta com nenhuma coisa
da Terra: ambiciono Jesus Cristo, que é Deus, e o Paraíso, que é a sua glória e
a sua felicidade, e a vida eterna».
Permite-me que continue
contigo aquela conversa. Não te parece que neste ponto todos nós, cristãos,
deveríamos ser santamente ambiciosos? A vocação do cristão é vocação de
santidade. Todos os cristãos, pelo
simples fato de o serem, têm a obrigação — ocupem o posto que ocuparem, façam o
que fizerem, vivam onde viverem — de ser santos. Todos estamos igualmente
obrigados a amar Deus sobre todas as coisas: Diliges Dominum Deum tuum ex tota mente tua, ex toto corde tuo, ex tota
anima tua, ex omnibus viribus tuis («amarás o Senhor teu Deus com todo o
teu coração, com toda a tua mente, com toda a tua alma e com todas as tuas
forças»). Esta ideia, tão simples e clara, primeiro mandamento e compêndio de
toda a Lei de Deus, perdeu força e, hoje em dia, não informa na prática a vida
de muitos discípulos de Cristo.
Senhor, como se amesquinhou
o ideal cristão na mente dos teus! Pensaram e pensam, Jesus, que o ideal de
santidade é excessivamente elevado para eles, e que nem todos os corações cristãos
podem albergar essa aspiração. Que ela permaneça —senti que o diziam, em todos
os tons — para os sacerdotes e para as almas que foram conduzidas à vida do
claustro por uma vocação especial. Nós, homens do mundo, devemos contentar-nos
com uma vida cristã sem excessivas pretensões e renunciar humildemente aos voos
da alma, embora corramos o risco de experimentar de vez em quando uma nostalgia
estéril e pessimista. A santidade — é o que concluíram muitos e muitas,
vencidos pelos preconceitos e pelas ideias falsas—não é para nós: seria
presunção, jactância, falta de equilíbrio, desordem, fanatismo. E declararam-se
vencidos antes de terem começado a batalha.
Quereria poder gritar ao
ouvido de muitos cristãos: Agnosce,
Christiane, dignitatem tuam («toma consciência, ó cristão, da tua
dignidade»). Ouve-me, amigo: deixa que a tua inteligência se abra serenamente,
livre de preconceitos. A vocação cristã
é vocação de santidade. Os cristãos — todos, sem distinção — são, segundo a
palavra de São Pedro, gens sancta, genus
electum, regale sacerdotium, populus acquisitionis, («raça santa, estirpe
de eleição, sacerdócio real, povo de conquista»). Os primeiros cristãos,
conscientes da sua dignidade, chamavam-se entre si com o nome de santos.
Quando perderás este medo à
santidade? Quando te convencerás de que o Senhor te quer santo? Qualquer que
seja a tua condição, a tua idade, as tuas forças, e a tua posição social, se és
cristão, o Senhor quer-te santo. Estote perfecti sicut et Pater vester coelestis
perfectus est («sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai dos céus»).
Jesus dirigiu estas palavras a todos, e a todos propôs a mesma meta. São
diversos os caminhos, porque «na casa do meu Pai há muitas mansões» (in domo Patris mei mansiones multae sunt),
mas a meta, o fim, é idêntico e comum a
todos: a santidade.
Como nos alvores da
cristandade, também hoje, depois de dois mil anos de Cristianismo, nós,
cristãos, devemos formar um só coração e uma só alma nesta aspiração à
santidade e nesta convicção profunda: Multitudo
credentium erat cor unum et anima una. («A multidão dos fiéis tinha um só
coração e uma só alma»). É a mesma convicção, firme e luminosa, que animava as
palavras de São Paulo, dirigidas a todos os fiéis: Haec est voluntas Dei: sanctificatio vestra («esta é a vontade de Deus, a vossa santificação»). Quantos títulos
para se reclamar e exigir de ti esta santidade! O Batismo, que nos fez filhos
de Deus e herdeiros da sua glória; o Crisma, que nos confirmou como soldados de
Cristo; a Santíssima Eucaristia; em que se nos dá o próprio Senhor; o sacramento
da Penitência e o do Matrimônio, se o recebemos. São chamadas, meu amigo, chamadas
à santidade. Escuta-as.
Eliminados os preconceitos,
inundada a mente de novas luzes, é fácil agora formular um propósito: fazermos
do problema da santidade um problema muito pessoal, muito concreto e muito nosso.
Deus nosso Senhor — estamos íntima e profundamente convencidos disso — quer-nos
santos porque somos cristãos. Levantemos para Deus o olhar, o coração, a
vontade. Quae sursum sunt sapite, quae
sursum sunt quaerite: («Saboreai o que é elevado, procurai o que é
elevado»); a dignidade cristã abre-nos agora os horizontes rasgados e serenos.
Respiramos profundamente os ares que sopram destas lonjuras abertas, e são ares
que renovam a nossa juventude, como se renova — está dito na Escritura — a
juventude da águia: Renovabitur ut
aquilae juventus tua. («Renovar-se-á a tua juventude como a da águia»).
Agora compreendemos
finalmente como são ocas as nossas ideias mesquinhas, e detestamo-las. E
deploramos o tempo perdido e os nossos vãos temores. Já não temos qualquer medo
da santidade e reconhecemos finalmente que frequentes vezes os nossos corações
—como escreve o Salmista— ibi
trepidaverunt timore ubi non erat timor («amedrontaram-se quando não havia
razão para temer»). Confiemo-nos à proteção
da Virgem Maria, que é Regina sanctorum
omnium, («Rainha de todos os santos»), e Sedes Sapientiae, («Sede de
Sabedoria»), para que a ideia da santidade seja nas vossas vidas cada dia mais
clara, mais forte e mais concreta.
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ÍNDICE
ÍNDICE
Jesus, o Amigo
A Nossa Vocação Cristã,
Um Ideal Para a Vida
Vida Interior
Guarda do Coração
O Caminho Real
Da Esperança Cristã
Humildade
Mansidão
As Humilhações
O Itinerário do Orgulho
Celibato e Castidade
Verdadeiras e Falsas Virtudes
A Serenidade
A «Crítica»
Tentações
A Imaginação
Exame de Consciência
Na Presença do Pai
O Pão da Vida
Eis Que Estou Convosco Todos os Dias
A Morte e a Vida
A Correção Fraterna
O Perigo das Coisas Boas
O Joio e o Trigo
Na Luz de Belém
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OBS.: Agradeço ao leitor Felipe pelo envio do arquivo deste livro. Que Nossa Senhora lhe retribua imensamente!
4 comentários:
Sugestão: Busquem mais livros do Salvatore Canals. Conviveu diretamente com o Santo fundador do Opus Dei, São Josémaria Escrivá, e tem uma obra de uma profundidade espiritual única.
O difícil é achar em Português....
Mas se encontrar certamente postarei aqui,
Saudações!
Me mandem este livro, por favor?
Meu nome é Victor e meu e-mail é: vitao_cbc@hotmail.com
Desde já, agradecido.
Salve Maria, Victor!
Para obter este arquivo basta clicar no título/link azul da postagem e salvar em seu computador.
Saudações!
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Em breve lhe darei um retorno, porém se o seu comentário for ofensivo infelizmente terá que ser ignorado, pois aqui não é local para ataques aos ensinamentos seculares da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Aqui o leitor pode estudar para conhecer a beleza e sabedoria do Catolicismo. Salve Maria!