Jorge de Lima e Murilo Mendes
Transcrição da edição de 1934 - 138 páginas
NOTA PRELIMINAR(1)
Tristão de Ataíde
Exatamente na véspera de Pentecostes Murilo Mendes
me entrega o livro de poemas que acaba de publicar com Jorge de Lima: Tempo e
Eternidade.
E a despeito de já conhecer algumas dessas páginas,
foi tal a impressão recebida que não posso, nesta crônica de exaltação da
grande e pura arte cristã, passar em silêncio essa publicação considerável para
a história de nossa poesia. Se os poemas de Jorge de Lima refletem na sua graça
ou mesmo no seu hermetismo, o sentimento religioso popular, nas suas
ondulações, no seu devaneio, através do temperamento tão original e moderno do
seu autor – que é um dos maiores intérpretes vivos da alma brasileira; se neles
a poesia sobe como uma seiva da terra – surgem os de Murilo Mendes como uma
projeção violenta da poesia mais pura, unida às mais altas manifestações da
Verdade, no campo das nossas letras. Raramente, na história delas tem a poesia
alcançado horizontes tão largos. Ela aparece, nessas páginas, curtas mas
impressionantes, despida de todo pieguismo, vazia de qualquer artifício visível
ou de ornato supérfluo, numa revelação puríssima da beleza do mundo tal como a
exprime o dogma católico. Porque esses poemas refletem diretamente a beleza
dogmática da Verdade. Suas linhas são lisas, altas, diretas, rudes, como as da
própria figura da Igreja tão desfigurada pelo Romantismo devoto ou pela paixão
sectária.
Há poemas curtos e fáceis, verdadeiros pontos de
exclamação poéticos. E há poemas longos e salmodiados, que nos levam por suas
asas possantes, ao longo dos tempos e à luz da eternidade. Poesia objetiva, mas
sem sombra de preocupação, de preocupação descritiva ou panteísta. Poesia
hierática, mas sem frieza. Poesia católica, essencialmente católica, poesia
episcopal, desassombradamente eclesiástica e pontifícia, na mais bela acepção
desses termos – sem qualquer vislumbre de sentimentalismo devoto ou de falso
classicismo.
Moderna, extremamente moderna, mas sem qualquer
Modernismo artificial. Poesia, enfim, que
lida num cenáculo de homens de fé, numa hora de fraternidade e de meditação,
nos levantou a todos como uma só alma num sentimento unânime de alegria e de
comunhão com o Santo dos Santos.
Murilo Mendes atingiu de chofre, nessas páginas de
convertido, um diapasão poético que me desvaneço profundamente de ter podido
pressentir, quando há alguns anos já, longe ainda de qualquer inspiração
religiosa, vagueava ele angustiadamente em luta contra anjos de trevas e de
luz, escrevendo nas costas de papel de um banco em que era empregado versos de
alucinação e de desespero.
Era a procura, a ansiedade, o descontentamento de
tudo o que era privado da Luz que nunca se apaga. Era a marcha áspera na
encosta, nos arredores do templo, nos caminhos pedregosos para a Cruz, que é o
terceiro plano daqueles que a Igreja considera os soldados desconhecidos do
Cristo.
Folgo, pois, em poder aproximar nesta crônica páginas,
de poesia e de prosa, que marcam, para a literatura brasileira, um dos mais
altos cimos de sua grave inspiração moderna, nesta hora em que os ornatos caem;
os malabarismos se desmoralizam; volta-se às coisas essenciais e certas almas
desenganadas das aventuras intelectuais literárias levantam o véu do mistério e
param estupefatas, pressentindo ou descobrindo a Fonte suprema da beleza e da
explicação de todas as coisas.
Por muitos anos pedi aos modernos não fecharem os
olhos ao sobrenatural, lado direito do tecido da vida de que somos apenas o avesso.
Ei-lo aqui, o sobrenatural. Não foram esses os primeiros, certamente, que o
trouxeram às nossas letras modernas. Nestes, porém, nesta prosa nua em torno do
Cristo e nesses poemas católicos, em torno do seu Corpo Místico vemos a reação
mais recente e mais impressionante contra os abusos que de novo se iam
espalhando em nossas letras, de um naturalismo literário anacrônico ou
impregnado de partis pris políticos. Nestas
páginas, nada disto. Nenhuma preocupação apologética. Nenhum esforço de vencer
a retórica. Nenhuma posição interessada. Nenhuma preocupação de agradar.
Esses dramas e esses poemas são um alimento forte, ácido
mesmo e seco, que provavelmente não satisfará a todos os paladares.
Aqueles, porém, que estiverem cansados do
convencionalismo literário ou do naturalismo de uma arte pornográfica ou panteísta
hão de saudar nessas páginas da nossa mais moderna literatura, uma desforra
memorável do Espírito contra a pieguice e a sensualidade. A beleza catedralícia
de alguns desses poemas e a forca impressionante de certos diálogos desses
dramas mostram, bem ao vivo, como não há mais alta inspiração para a arte do
que o verdadeiro cristianismo católico.
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(1) Publicado em O Diário, Belo Horizonte, 23 junho 1935, sob o título
"A Desforra do Espírito." Tristão de Ataíde é o pseudônimo de Alceu
Amoroso Lima.
4 comentários:
Sublime!!!
Muita gratidão para a V. amabilidade
Parabéns. Belíssimo livro.
Fico grato aos amigos. Um abraço.
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