Dietrich von Hildebrand
Filósofo e Teólogo
Um dos maiores pensadores do século passado
Livro de 1971 - 270 págs
Filósofo e Teólogo
Um dos maiores pensadores do século passado
Livro de 1971 - 270 págs
O livro destina-se aos que ainda têm consciência da situação
metafísica do homem, a quantos resistiram à lavagem cerebral dos slogans
mundanos, àqueles que ainda anseiam por Deus e estão conscientes de uma
necessidade de redenção Destina-se aos que ainda não se tornaram surdos à voz
de Cristo, em meio ao barulhento mercadejar de fórmulas baratas e frívolas;
àqueles cujas mentes não sofreram o encantamento da pretensa aproximação da
idade do homem. O autor escreveu este livro diante das interpretações
errôneas do Concílio Vaticano II.
Introdução
Primeira Parte
Verdadeira e
Falsa Renovação
Segunda Parte
Os Perigos do
Novo Tempo
Terceira Parte
A Secularização
do Cristianismo
Quarta Parte
O Sagrado e o
Profano
Epílogo
Apêndice
Telhard de
Chardin: Um falso profeta
Notas
~*~*~
Capítulo XXVI
A Função da Beleza na Religião
A Função da Beleza na Religião
A beleza desempenha importante papel no culto religioso. O ato mesmo de
adoração à divindade encerra o desejo de envolver o culto com a beleza.
Estigmatizar a preocupação com o belo no culto religioso como “esteticismo” —
como fizeram recentemente, com crescente acrimônia, alguns católicos — é
revelar uma concepção deformada do culto religioso e da natureza do belo.
É o que se vê claramente quando se
considera a natureza do “esteticismo”, em vez de se usar o termo apenas com slogan destruidor.
O esteticismo é uma perversão na
maneira de considerar a beleza. O esteta saboreia coisas belas como quem saboreia
vinho. Não as trata com o respeito e a compreensão do valor intrínseco que
requer uma resposta adequada, mas como fontes de satisfação meramente
subjetiva. Mesmo dotado de refinado bom gosto, mesmo que seja um notável connaisseur, o tratamento do esteta não
pode fazer de maneira alguma justiça à natureza do belo. Acima de tudo, é
indiferente a todos os demais valores inerentes ao objeto. Qualquer que seja o
tema de uma situação, vê-o somente do seu ponto de vista da satisfação e do
prazer estético. Não consiste sua falha em superestimar o valor da beleza, mas
em ignorar os outros valores fundamentais, sobretudo os morais.
Tratar uma situação de um ponto de
vista que não corresponde ao seu tema objetivo é sempre uma grande perversão.
Por exemplo, é perverso que um homem trate de um drama humano que exige
compaixão, simpatia e ajuda, como se fosse mero objeto de estudo psicológico.
Fazer da análise científica o único ponto de vista em qualquer assunto é
radicalmente antiobjetivo e até mesmo repulsivo; é desrespeitar e anular o tema
objetivo. Além de ignorar qualquer ponto de vista que não seja o “estético” e
qualquer outro tema que não seja o da beleza, o esteta também deforma a
natureza real da beleza em sua profundidade e grandeza. Como já mostramos em
outros livros, toda idolatria de um bem necessariamente exclui a compreensão de
seu verdadeiro valor. A maior e mais autêntica apreciação de um bem somente é
possível se o vemos em seu lugar objetivo na hierarquia dos seres, disposta por
Deus.
Se alguém se recusasse a ir à
missa porque a igreja é feia e a música medíocre, seria culpado de esteticismo,
pois estaria substituindo o ponto de vista estético ao ponto de vista
religioso. Antítese do esteticismo é apreciar a elevada função da beleza na
religião, é compreender o legítimo papel que lhe cabe desempenhar no culto e o
desejo das pessoas religiosas em revestir de grande beleza tudo o que se refere
ao culto divino. Esta apreciação justa da beleza é até um c rescimento
orgânico da reverência, do amor a Cristo, do ato mesmo de adoração.
Infelizmente alguns católicos
dizem, hoje, que o desejo de dotar de beleza o culto se opõe à pobreza
evangélica. É um erro grave e que parece frequentemente inspirado em sentimento
de culpa por terem eles sido indiferentes às injustiças sociais e negligenciado
os legítimos reclamos da pobreza. É então em nome da pobreza evangélica que nos
dizem que as igrejas devem ser graves, simples, despojadas de todos os adornos
necessários.
Os católicos que fazem essa
sugestão confundem a pobreza evangélica com o caráter prosaico e monótono do
mundo moderno. Deixaram de ver que a substituição da beleza pelo conforto, e do
luxo que muitas vezes o acompanha, é muito mais antitético à pobreza evangélica
do que a beleza — mesmo esta em sua forma mais exuberante. A noção
funcionalista do que é supérfluo é muito ambígua, simples sequela do
utilitarismo. Contradiz as palavras do Senhor: Nem só de pão vive o homem. No livro Nova Torre de Babel, procuramos mostrar que a cultura é um bem
superabundante, algo que necessariamente parece supérfluo à mentalidade
utilitarista. Graças a Deus, esta não foi a atitude da Igreja e dos fiéis
através dos séculos. São Francisco, que em sua própria vida praticou a pobreza
evangélica ao extremo, jamais afirmou que as igrejas devessem ser vazias,
despojadas, sem beleza. Pelo contrário, igreja e altar nunca seriam
suficientemente belos para ele. Diga-se o mesmo de Cura d’Ars, São João Batista
Vianney.
Acontece um ridículo paradoxo
quando, em nome da pobreza evangélica, são demolidas e substituídas as igrejas
mais preciosas artisticamente1 — e a que custo! — por igrejas
prosaicas e monótonas. Não é a beleza e o esplendor da igreja, a casa de Deus,
que são incompatíveis com o espírito de pobreza evangélica e que escandalizam o
pobre; são muito mais o luxo e o conforto desnecessários, hoje tão em voga. Se
o clero deseja retornar à pobreza evangélica, deve reconhecer que em regiões
como nos Estados Unidos e na Alemanha o clero possui os carros mais elegantes,
as melhores máquinas fotográficas, os aparelhos mais modernos de TV. Beber e
fumar muito é, certamente, oposto à pobreza evangélica; mas não, decerto, a
beleza e o esplendor das igrejas.
De um lado, afirmar-se que as
igrejas deveriam ser despojadas, porém, ao mesmo tempo, paróquias e campus de
escolas católicas estão levantando feios edifícios para assuntos sociais,
dotados de todo tipo de luxo desnecessário. Isto é feito em nome de problemas
sociais e do espírito de comunidade. Até mesmo nos conventos verifica-se
desenvolvimento análogo. Essas novas estruturas não são apenas opostas à
pobreza evangélica; criam, também, uma atmosfera tipicamente mundana. Cadeiras
reclináveis e tapetes espessos com maciez não muito saudável. Esses edifícios
reúnem, artificialmente, três propriedades negativas: dispendiosos (o que
diretamente se opõe à pobreza evangélica), feios e convidativos a concessões
pessoais, típicas da degeneração que, hoje, ameaça os homens.
Por vezes os argumentos
iconoclastas tomam outra feição. Ouve-se, ocasionalmente, algum vigário dizer
que a missa é algo abstrato e que as igrejas, especialmente o altar, deveriam
ser despojados. Na verdade, a Santa Missa é um mistério surpreendente e que
transcende a toda compreensão pela só razão, mas não é, absolutamente, abstrato.
Abstrato é algo especificamente
racional; opõe-se a real, concreto, individual. O mundo do sobrenatural, a
realidade revelada, transcende o mundo da razão, mas não implica nenhuma
oposição ao real e ao concreto. É, pelo contrário, realidade definitiva e
absoluta, se bem que invisível. A Missa é, assim, um epítome da realidade
concreta, do nunc (agora), pois o
próprio Cristo se faz verdadeiramente presente.
A força e o impacto existencial da
Sagrada Liturgia têm suas raízes exatamente no fato de não ser abstrato e
dirigir-se não só à nossa inteligência ou simplesmente à fé, mas, sobretudo, de
falar, de inúmeras maneiras, à totalidade da pessoa humana. Imerge o fiel na
sagrada atmosfera do Cristo, pela beleza e esplendor sagrado das igrejas, pelo
colorido e beleza das vestimentas, pelo estilo de linguagem e sublimidade
musical do Canto-Chão.
Católicos progressistas dizem, às
vezes, que aqueles que combatem a iconoclastia, se ocupam do “inessencial”.
De fato, não é essencial que seja
bonita a igreja, onde se celebra a Santa Missa e distribui a Comunhão aos
fiéis. São essenciais apenas as palavras que perfazem a transubstanciação.
Sendo este o sentido da frase, nada objetaremos. Se o termo “inessencial”
significar “sem significação”, então se está querendo dizer que coisas como a
beleza das igrejas, a Liturgia e a música são “triviais” e a acusação é
completamente errada, porque existe uma relação profunda entre a essência de
alguma coisa e sua expressão adequada. A respeito da Santa Missa esta
observação é particularmente verdadeira.
O modo como é apresentado esse
mistério, sua visível manifestação, desempenha papel definido e não pode ser
considerado sujeito a mudanças arbitrárias, apesar de ser incomparavelmente
mais importante aquilo que se expressa do que sua expressão. Se bem que o tema
efetivo da Missa seja tornar presente o mistério do Sacrifício de Cristo na
Cruz e o Mistério da Eucaristia, deve-se dar grande peso à atmosfera sagrada
criada pelas palavras, ações, acompanhamento musical e igreja onde se celebra.
nada disso pode ser considerado de interesse meramente estético.
Contrapõe-se a todo esse
menosprezo gnóstico do conteúdo e da forma externa o princípio especificamente
cristão de que as atitudes espirituais devem encontrar também expressão
adequada na conduta do corpo, nos seus movimentos e no estilo de nossas
palavras. A Liturgia inteira está penetrada desse princípio.
Analogamente, o salão e o edifício
onde se desenrolam cerimônias sagradas devem irradiar uma atmosfera que lhe
corresponda. É certo que a realidade dos mistérios nada sofre se a sua
expressão for inadequada. Há, contudo, um valor específico em dar-lhe expressão
adequada.
Como se erra, portanto, ao
considerar a beleza das igrejas e da Liturgia como coisas que nos podem
distrair e afastar do tema real dos mistérios litúrgicos para algo superficial!
Quem diz que igreja não é museu e que o homem realmente piedoso é indiferente a
essas coisas acidentais, apenas revela sua cegueira à magnífica função
desempenhada pela expressão adequada (e bela). Em última análise, trata-se de
uma cegueira à própria natureza humana. Mesmo que essas pessoas se proclamem
“existencialistas”, continuam muito abstratas. Esquecem que a beleza autêntica
encerra mensagem específica de Deus, que nos eleva as almas. Como dizia Platão:
“À vista da beleza, crescem asas às
nossas almas”. Mais ainda: da beleza sagrada relacionada à Liturgia nunca
se afirma que seja temática, como nas obras de arte; pelo contrário, como
expressão, têm a função de servir. Longe de obnubilar ou de se substituir ao
tema religioso da Liturgia, ajuda a torná-lo fulgurante.
Valor não é sinônimo de “ser
indispensável”. O princípio básico da superabundância em toda a criação e em
todas as culturas manifesta-se, exatamente, nos valores não indispensáveis a
certa finalidade ou tema. A beleza da natureza não é indispensável à economia
da natureza. Nem a beleza da arquitetura é indispensável para nossas vidas.
Mas, o valor da beleza, na natureza e na arquitetura não é diminuído pelo fato
de ser um dom, que de muito transcende a mera utilidade. Desse modo, a beleza é
importante não só quando é ela mesma o tema (caso da obra de arte), mas também
quando a serviço de outro tema. Destacar que a Liturgia deve ser bela não é
colorir religião com tratamento estético. A aspiração pela beleza, na Liturgia,
nasce do sentido do valor específico que se apóia na adequação da expressão.
A beleza e a sagrada atmosfera da
Liturgia são algo não só precioso e valioso por si mesmo (na qualidade de
expressões adequadas dos atos religiosos de adoração), mas são, também, de
grande importância para o desenvolvimento espiritual das almas e dos fiéis.
Repetimos: aqueles que, no movimento litúrgico, têm insistido na afirmação de
que orações e hinos cansativos denominam o ethos
religioso dos fiéis, apelando para o que no interior humano está longe do que é
religioso, lançam-no em uma atmosfera que obscurece e embaça o semblante de
Cristo. É de enorme importância a beleza sagrada para a formação do verdadeiro ethos do fiel. No livro Liturgia e Personalidade, falamos em
detalhe da função profunda da Liturgia em nossa santificação, sem sacrifício de
ser o culto de Deus seu tema central. Na Liturgia louvamos e agradecemos a
Deus, associamo-nos ao sacrifício e à prece do Cristo. Convidando-nos a orar a
Deus com o Cristo, a Liturgia exerce papel fundamental em nossa transformação
em Cristo. Esse papel não se restringe ao aspecto sobrenatural da Liturgia.
Integra, também, sua forma, a sagrada beleza que toma corpo nas palavras e na
música da Santa Missa ou do Ofício Divino. Desprezar esse fato é sinal de
grande primitivismo, mediocridade e falta de realismo.
Um dos maiores objetivos do
movimento litúrgico tem sido o de substituir orações e hinos inadequados por
textos sagrados das preces litúrgicas oficiais e pelo Canto Gregoriano.
Assistimos, hoje, a uma deformação do movimento litúrgico quando muitos tentam
substituir os sublimes textos latinos da Liturgia por traduções nativas, com
gírias. Chegam mesmo a mudar, arbitrariamente, a Liturgia no intuito de
“adaptá-la aos nossos tempos”. O Canto Gregoriano vai dando lugar, na melhor
hipótese, à música medíocre, quando não ao jazz
ou ao rock and roll. Essas grotescas
substituições empanam o espírito de Cristo incomparavelmente mais do que o
fizeram certos tipos antigos e sentimentais de devoção. Esses eram inadequados.
Aqueles, além de inadequados, são antitéticos à sagrada atmosfera da Liturgia.
É mais do que uma deformação; isso lança o homem em uma atmosfera tipicamente
mundana. Apela no homem para algo que o torna surdo à mensagem de Cristo.
Mesmo quando se substitui a beleza
sagrada, já não pela vulgaridade profana, mas por abstração neutra, incorre-se
em sérias conseqüências para as vidas dos fiéis, pois, como indicamos, a
Liturgia católica se dirige à personalidade total do fiel. O fiel não é atraído
ao mundo de Cristo apenas por sua crença ou por símbolos estritos. São levados
a um mundo mais alto pela beleza do altar, pelo ritmo dos textos litúrgicos,
pela sublimidade do Canto Gregoriano ou por músicas verdadeiramente sacras,
tais como a Missa de Mozart ou de Bach. Até mesmo o perfume do incenso tem
função significativa, nesse sentido. O emprego de todos os canais capazes de
introduzir-nos no Santuário é profundamente realista e profundamente católico.
É autenticamente existencial e realiza função notável em ajudar-nos a elevar
nossos corações.
Se é verdade que considerações de
cunho pastoral poderão recomendar como desejável o uso do vernáculo, o Latim da
Missa — na missa silenciosa, dialogada e, especialmente, cantada com o
Gregoriano — jamais deveria ser abandonado. Não se trata de guardar o latim de
Missa por certo tempo até que os fiéis se habituem à missa em vernáculo. Como a
Constituição da Sagrada Liturgia claramente determina, é permitido o uso do
vernáculo, mas a Missa em Latim e o Canto Gregoriano conservam toda sua
importância. Foi essa a intenção do motu
proprio de São Pio X, que afirmou ser o Latim da missa, como o Canto
Gregoriano, responsável também pela formação da piedade dos fiéis, através da
atmosfera sagrada e única gerada por sua dicção. Assim, os anseios de muitos
católicos e do movimento Una Voce não se dirigem contra o uso do vernáculo, mas
contra a eliminação da Missa em Latim e do Canto Gregoriano. Eles apenas estão
pedindo que se cumpra, realmente, a Constituição da Sagrada Litugia.
Contudo, certos católicos de hoje
manifestam o desejo de mudar a forma exterior da Liturgia, adaptando-a ao
estilo de vida de nossa época dessacralizada. Esse desejo denota cegueira com
relação à natureza da Liturgia, bem como ausência de respeito reverencial e
gratidão pelos dons sublimes de dois mil anos de vida cristã. Acreditar que as
formas tradicionais podem ceder o lugar a algo melhor é dar provas de uma
ridícula autossuficiência. E esse conceito é particularmente incongruente nos
que acusam a Igreja de “triunfalismo”. De um lado, eles consideram falta de
humildade a Igreja proclamar que Ela só é detentora da plena revelação divina
(em vez de perceber que essa proclamação se fundamenta da natureza da Igreja e
decorre de sua missão divina). De outro lado, demonstram ridículo orgulho
quando simplesmente assumem que nossa época moderna é superior às anteriores.
Podem-se ouvir, hoje, razões de
protesto declarando, por exemplo, que o texto do Glória e de outras partes da
Missa estão repleto de expressões cansativas de louvor e glorificação a Deus,
quando deveriam fazer mais referências a nossas vidas. É um contrassenso que
revela como tinha razão Lichtemberg ao dizer que, se fosse dado a um macaco ler
as epístolas de São Paulo, ele veria sua própria imagem refletida nelas.
Admiram-se os nossos “teólogos”
modernos não apresentarem, dentro em breve, uma nova versão do “Pai Nosso”,
como o fez Hitler. O “Pai Nosso” claramente enfatiza o primado absoluto de
Deus, tão distante da mentalidade típica moderna. Um único pedido diz respeito
ao bem-estar terrestre: “o pão nosso de cada dia”… O restante diz respeito ao
próprio Deus, a seu Reino, a nosso bem-estar eterno.
2 comentários:
Prezados, Salve Maria!
Obrigado pelo trabalho maravilhoso que vocês tem prestado ao mundo Católico, principalmente no Brasil. País tão carente de boa leitura espiritual.
Um grande abraço em Cristo Nosso Senhor.
Jesuan
Salve Maria, Jesuan!
Temos que agradecer à Nossa Mãe Santíssima, pois este apostolado só foi possível ser feito graças à Ela!!!
Conto com suas orações,
Saudações!
Postar um comentário
Em breve lhe darei um retorno, porém se o seu comentário for ofensivo infelizmente terá que ser ignorado, pois aqui não é local para ataques aos ensinamentos seculares da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Aqui o leitor pode estudar para conhecer a beleza e sabedoria do Catolicismo. Salve Maria!